sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Gigante do Samba traz histórias de mulheres extraordinárias


Pouco se fala sobre a importância das mulheres no samba. Para além do rebolado, é a resistência feminina que mantém, no dia a dia, a cadência do passo. Do cotidiano com a comunidade às pedrarias e penas das fantasias alegóricas, são elas que bordam as transformações culturais, carregam as bandeiras e abrem as alas para as novas gerações desfilarem. Na Gigante do Samba não poderia ser diferente. Uma das principais escolas de samba do Recife, localizada no bairro da Bomba do Hemetério, na zona norte da capital pernambucana, traz em seu enredo histórias de mulheres extraordinárias, a começar pela vice-presidenta Marize Félix.
Marize herdou o gingado de Maria do Carmo Lima, sua genitora e uma das fundadoras da escola. “Eu vim na barriga da minha mãe para cá”, diz a vice, cheia de orgulho. Aos seis anos, Marize já era a rainha da bateria. O amor pela escola foi se agigantando na passista que cresceu dentro do barracão da agremiação. Entre um passo e outro, confeccionou fantasias, organizou o financeiro, ajudou outras mulheres a se vestirem, ensinou meninas a dançar e desenvolveu um projeto social na comunidade chamado Samba é Saber. Cidadania, sexualidade, inclusão e feminismo foi a forma que a passista – agora pedagoga – encontrou para potencializar as pessoas que por lá circulavam.
Gigante é entrega
A gestão da vice-presidenta é reconhecida por agregar mulheres. Marize é uma daquelas pessoas que desperta a preciosidade das outras. Se uma menina sabe dançar direitinho, a gestora já apresenta a ala das passistas. Se o ritmo está nas mãos, ela chega de mansinho com um instrumento. A principal regra da sua administração é não aceitar descriminação. “É difícil ser mulher aqui. O homem acha que tem mais força física, que pode intimidar. Eu não me sinto intimidada. A gente não precisa ganhar no grito”. Grito, aliás, só se for para animar a bateria. Marize sabe usar muito bem sua voz e tornou-se referência para as mulheres. A força vem mais da capacidade de causar impacto na vida das pessoas. É junto ao miudinho do samba de suas companheiras que ela vai gerindo a escola. “Trabalhar com mulher é muito bom. Mulher é sincera, comprometida e sempre tem como referência outra mulher. A gente se une”.
Gigante é orgulho
Onze vezes campeã do concurso de agremiações do Recife com a Gigante, Tereza Guimarães carrega também o troféu de ter sido a primeira presidenta da escola, nos anos 2000. Cria do bairro de São José, o celeiro da festa de momo, a foliã diz que seu breque* é forte. Tereza é o próprio Carnaval. Sua irreverência foi a estratégia para burlar o machismo arraigado nos espaços de poder e escancarar as portas para as outras companheiras. “Nas reuniões, eu era a única mulher. Quando eu falava, eles vinham por debaixo da mesa me cutucar para eu calar a boca. Eles não conseguiam, eu falava mesmo”, diz orgulhosa. Hoje, Tereza toca tamborim e diz que as “pessoas caem duras” quando ouvem o som potente da percussão na rua. “Quando as mulheres entram tocando é muita força. É uma apoiando a outra. Eles tentam separar a gente. Dizem até que é uma máfia!”.
Gigante é força
Por falar em tamborim, a primeira mulher a estremecer a ala masculina da bateria foi Patrícia Gomes. Sua história com a Gigante é de paixão à primeira vista. Há 32 anos, a foliã foi ver a escola desfilar no bairro de São José e sentiu o coração acelerar. “Eu só via bateria de escola de samba lá do Rio de Janeiro e achava que Recife não tinha samba. Quando vi aquilo, me apaixonei. Já sabia que ia desfilar ali”, confidencia. Com este amor gigante, Patrícia batucou com as tampas e panelas da mãe e aprendeu só a tocar tamborim. ” Passei pela peneira da escola, aceitei o desafio e eles viram que eu sabia tocar”. Eles, os tais homens, entenderam que Patrícia é uma grande instrumentista. Aliás, os homens da Turma do Saberé, bloco de samba histórico do bairro de São José, também tiveram que abrir espaço para a rainha da baqueta. “Lancei o desafio no Saberé que só saía homem. Isso tinha que acabar. Mulher sabe tocar. Em todo canto que eu vou, mostro que sei tocar”. Gigante é mudança.
Quem sabe também representar bem a escola é Luciene Araújo, a Lulu Simpatia. Não é só com sorrisos que a porta-bandeira da Gigante ganha o público. A paulista se entrega ao Carnaval do Recife há mais de 16 anos. Lulu diz que não sabe se escolheu o samba ou se foi ele quem a escolheu, “é um trabalho contínuo, estou sempre aqui me doando”, fala. O entrosamento é tanto que a moça simpática já trouxe o filho e a sobrinha para o barracão. Letícia Vitória, de 9 anos, a Lelê Simpatia, se empina toda para carregar a bandeira da escola. A pequena segue a tradição familiar e é porta-bandeira da bateria mirim. Gigante é afeto.
A vivência das mulheres na escola de samba do coração da Bomba do Hemetério é vasta e se fortalece a cada dia. Tem Cris, diretora da bateria, oferecendo oficinas de percussão a meninas comunidade afora. Tem as mulatas, as baianas, as que ficam responsáveis pela confecção dos carros alegóricos e tantas outras que formam uma rede de resistência e afeto. Marize se orgulha de tecer essa rede justificando que mulher tem mais compromisso, não legisla em causa própria, tem uma tendência a acreditar umas nas outras.
Deve ser por isso que na Gigante tem representante feminina da Paraíba, de Fortaleza e até da França. Não é à toda que a escola é onze vezes campeã do Carnaval recifense. A vice diz que é porque tem mulher. Deve ser mesmo. Gigante é encontro.
Mulheres no Carnaval do Recife
Decoração engajada – No carnaval, a Prefeitura do Recife também reforça as campanhas de enfrentamento ao assédio contra as mulheres. Frases como “não é não”, “o corpo é meu” e “violência contra a mulher não cabe nessa folia” são alguns elementos que fazem parte dos personagens momescos, nas mais diversas peças. O combate à violência de gênero está inserido em todas as grandes festas populares realizadas pela gestão municipal. A ação é uma parceria da Comunicação Institucional, Gabinete de Imprensa e Secretaria da Mulher do Recife.
Nos dias de folia
A Secretaria da Mulher do Recife estará presente, a partir da sexta-feira (1), na Central do Carnaval com a equipe técnica do Centro de Referência Clarice Lispector – equipamento municipal voltado para o acolhimento e orientação de mulheres em situação de violência doméstica/sexista – realizando a escuta e orientação das mulheres passarem por assédios ou atitudes violentas durante os dias de folia. O Centro funcionará das 18h às 2 da manhã.
O disque -orientação do Clarice, o Liga, Mulher ( 0800 281 0107), também funcionará na Central, das 18h às 2 da manhã. Além disto, haverá grupos volantes da Secretaria, nos polos centralizados e descentralizados, distribuindo material informativo de prevenção ao feminicídio e divulgando os serviços de prevenção à violência de gênero da pasta municipal e o Liga, Mulher. A Brigada Maria da Penha também funcionará durante os quatro dias de festa acompanhando a equipe técnica nas escutas qualitativas e, caso seja necessário, no encaminhamento das mulheres à rede de enfrentamento.
*termo brasileiro derivado do verbo brecar ( do inglês, break). Parada brusca do ritmo de samba, geralmente com pausas rigorosamente contadas. É a demonstração da habilidade do(a) instrumentista e originou um estilo musical chamado “samba de breque”.

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